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Um cidadão adotivo

(DISCURSO PROFERIDO NA CÂMARA MUNICIPAL DO RECIFE NA SOLENIDADE DE ENTREGA DO TÍTULO DE CIDADÃO DO RECIFE AO DR MÁRIO DELGADO, EM 14/04/2005).

Senhoras e Senhores.

Meus amigos, o receio de que a emoção do momento perturbasse-me o ordenamento das idéias, fez-me redigir este pequeno agradecimento.

Aqui estou  para ser investido no título de Cidadão do Recife, honraria que me concede a Casa de José Mariano, por iniciativa do Vereador Rogério De Lucca e entregue pelas mãos do Vereador Charles Lucena. A mais alta que já recebi. A única que não esperei.

Mas do que a mim, só posso enxergar tamanha homenagem, no rincão natal de vultos como Barbosa Lima Sobrinho e João Cabral de Melo Neto, como uma homenagem que Rogério De Lucca e Charles Lucena prestam  à Paraíba.

Caríssimos amigos da Paraíba e de Pernambuco que, com suas presenças aqui, fazem Pernambuco e Paraíba se entrelaçar, irmanados na amizade, na solidariedade e na fraternidade que sempre marcou as relações entre nossos dois Estados.

Sinto-me aqui, neste Plenário da Casa de José Mariano,  não em Pernambuco ou na Paraíba, mas na verdadeira “Paraibuco”, na feliz expressão de Ronaldo Cunha Lima.

Ou ainda como disse Joacil de Britto Pereira em memorável discurso na Academia Pernambucana de Letras:

“Estão mais uma vez unidos os dois Estados irmãos, os mais representativos do Nordeste, onde plasmaram-se os anseios libertários, medraram, cresceram e se consolidaram, “à beira do Atlântico Sul”, para formar uma Nação amante da paz. Aqui se construiu uma Civilização Luso-Tropical, sem preconceitos de raças, fundindo povos e etnias, num ‘amor plural’, harmônico e feliz “[1].

Aliás, não é de hoje a nossa união. Sempre mantivemos estreitas relações cívicas e culturais.

Desde os tempos da colonização e da conquista, nos identificamos. Estivemos “juntos nas gloriosas jornadas da expulsão do holandês invasor”[2].

Escrevemos páginas de bravura, nas duas Batalhas dos Guararapes.

Politicamente, paraibanos e pernambucanos  andaram sempre unidos. Fomos irmanados ao sacrifício da Revolução Pernambucana de 1817, que visava a implantação do regime republicano. Participamos juntos da Confederação do Equador em 1824, onde Pernambuco e Paraíba marcharam solidários, de armas na mão, na defesa do liberalismo político[3].

Se os Estados são próximos, nossas capitais são mais próximas ainda, inclusive em termos geográficos, aliás as duas capitais mais próximas do País.

Recife é cultura, história,  já foi dos holandeses, hoje é cosmopolita; João Pessoa foi um pouco espanhola,  fundada com o nome de Filipéia, em homenagem a el rey Filipe I. Também foi holandesa, época em que se chamou  Friederstadt (Frederica), hoje é dos paraibanos. Ambas (Recife e João pessoa) são “nossas”.

Mais recentemente, Recife tem abrigado paraibanos que daqui alçaram vôos mais altos no cenário brasileiro. Ariano Suassuna e Augusto dos Anjos são os dois exemplos clássicos na literatura. Na seara jurídica, por onde trafego melhor do que na literatura, são muito mais numerosos os nomes: Oswaldo Trigueiro de Albuquerque, Rafael Mayer e Djacy Falcão no Supremo Tribunal. Demócrito Reynaldo e Torreão Braz no Superior Tribunal de Justiça. Etério Galvão, Ivonaldo Miranda, Jovaldo Nunes no Tribunal de Justiça do Estado. Ridalvo Costa e Paulo Gadelha do Tribunal Regional Federal. E tantos e tantos nomes na magistratura, no Ministério Público e na Advocacia.

É tão grande a nossa identidade, que muito bem poderíamos ser um só Estado. A dificuldade seria a escolha da capital, certamente disputada por pernambucanos e paraibanos. Quem sabe poderíamos até ter duas capitais, uma administrativa outra cultural.

O nome atual (João Pessoa) foi em homenagem ao nosso Presidente , assassinado no Recife.

Ou seja, até no nome, estamos ligados ao Recife!

Minhas senhoras, meus senhores. Quero aproveitar esse instante, oportunidade em que vejo aqui queridos amigos, para fazer um agradecimento especial a todos quantos, com maior ou menor participação, direta ou indiretamente, estiveram ao meu lado na caminhada que me trouxe de João Pessoa ao Recife.

E qualquer agradecimento não pode traduzir outro sentimento que não seja gratidão. Tomando por empréstimo as palavras do poeta Nilo Pereira , digo-lhes com sinceridade :

“Sou grato a quem me abriu uma janela para a estrada já longa da vida; (…) a quem me traz uma palavra de estímulo; (…) a quem vem ao meu encontro e me saúda e me estende as mãos”.

E a primeira janela não poderia ter sido aberta por mais ninguém, senão pelos meus amados pais, cuja presença aqui  enchem o meu coração de alegria . A vocês devo tudo!

Não posso igualmente deixar de registrar a minha gratidão à minha cidade natal, onde cresci, estudei, me formei, e fiz amigos.

Segundo Moacir Japiassu[4], “tem nome de homem, mas não se deixe iludir: faltam sinais de explícita macheza em João Pessoa. Mais feminina, impossível; masculina é Paraíba, o Estado.

João Pessoa, que nasceu santa, Felipéia de Nossa Senhora das Neves, assim chamada, é mulher, vê-se,  nas curvas de seu litoral, no seio farto do Cabo Branco, o perfil do mamilo a provocar oceanos”.

Recife sempre foi a capital cultural do Nordeste, e prova irrefutável disto é a sua secular Faculdade de Direito. Mas foi na velha Faculdade de Direito da Praça João Pessoa, que  ficaram os pedaços da minha mocidade, lutas, vitórias, sonhos, uns já realizados, outros a caminho, outros abandonados, mas sem frustrações.

Meus amigos , já se vão mais de treze anos que um jovem advogado paraibano  veio embora para a cidade grande, levado pelos braços do Desembargador Federal Ridalvo Costa, para assessorá-lo no Tribunal Regional Federal. A ele devo os primeiros passos de  minha radicalização no Recife. No Recife dei continuidade à minha formação acadêmica e profissional, altamente qualificada pelo longo tempo em que passei naquela verdadeira escola que foi o Tribunal Regional Federal. Aprendizado de vida e de direito.

Foi também no Recife onde nasceram meus filhos, Mário e Luiz Afonso, motivos de orgulho, estímulos perenes de minhas caminhadas.

E foi no Recife onde ganhei alguns dos meus melhores amigos, alguns aqui presentes fisicamente, outros presentes no coração, e dentre os ausentes de corpo, mas presentes de alma, não posso deixar de aludir ao amigo, companheiro, conselheiro e guia maior de meus passos no Recife, o Deputado Ricardo Fiúza. A ele, que ora se recupera de delicada e imprevista intervenção cirúrgica, e cuja ausência, absolutamente involuntária, macula indelevelmente o júbilo do momento,  as minhas homenagens de afeto e gratidão através da lembrança do que disse Napoleão séculos atrás:

“Passará a memória das minhas batalhas, mas não passará a lembrança dos códigos que promulguei”.

Fiúza  fez mais do que simplesmente  promulgar o Código Civil. Ajudou a criá-lo. E não passará a memória das batalhas que travou para que a sociedade brasileira pudesse dispor de um instrumento legal da magnitude desse novo código civil.

Em resumo: O que de mais valia um homem pode ter na vida, plasmado no binômio família e amizades, em grande parte, foi-me dado no Recife.Neste Recife  de tantos encantos, digo como Waldemar Lopes disse um dia:

“Eu senti o sonho em plena floração”.

Minha relação com o Recife foi de amor à primeira vista! E muito antes de aqui fixar morada.

Desde as primeiras viagens ao Recife com os meus pais, ainda  menino, me encantei com esta bela cidade, entrecortada de pontes, banhada pelos Rios Capibaribe e Beberibe, que, como todos sabem, se encontram para formar o Oceano Atlântico.

Aprendi logo cedo a admirar seus poetas (com os azuis de Carlos Penna Filho) e seus escritores (com Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre), seus heróis dos Guararapes, seus artistas (com as telas de Cicero Dias, Lula Cardoso Ayres, Franscisco Brennand), seus músicos e compositores (com toda a diversidade cultural do caboclinho ao manguebeat, passando pelo frevo), seus filósofos  e juristas (com Tobias, Vilanova, Pinto Ferreira, e tantos outros).

Chamam-na a ‘Veneza brasileira’. Por modéstia aceitamos, mas permitam-me dizer, com um pouco de ufanismo de um agora cidadão recifense, que Recife não é a Veneza brasileira. Veneza é que é a Recife européia!

Mas não é somente através dos rios e pontes que a beleza do Recife se sobressai. Tem também o encanto dos seus bairros, cada um com suas peculiaridades.

Tem Boa Viagem, com uma das  mais belas praias urbanas do mundo.

Tem Aflitos, Graças e Espinheiro, com suas ruas residenciais tranquilas e arborizadas.

Tem a Ilha do Leite, com seus hospitais e clínicas, a fazer desta cidade o 2º pólo médico do País.

Tem Casa Forte, com seu casario antigo, já perdendo espaço para os grandes espigões, mas sem jamais perder o charme.

Tem Apipucos, com a Casa de Gilberto Freyre e o seu velho açude, paisagem idílica de sobrados e mocambos.

Tem também o Recife Antigo, com as ruas do Bom Jesus, Apolo, Guia, Marquês de Olinda, que nos remetem a outras eras.

E como são lindos os nomes das ruas do Recife, imortalizadas na evocação de Manuel Bandeira. Rua da Aurora, Rua do Sol, Rua da União, Rua da Saudade.Onde tudo parece impregnado de eternidade.

Tomo  novamente por empréstimo as palavras de Joacil Pereira , no seu “Testemunho de amor ao Recife”[5], para agora bradar:

“Ó Cidade Mauricéia, (…). Depois de conhecer-te é impossível deixar de te amar”.

As caminhadas  matinais no Parque da Jaqueira. Os almoços de sexta-feira no Leite. As manhãs de sábado na Livro 7 e hoje as tardes de domingo na Livraria Cultura; Os jantares de sábado no Navegador (Que pena não estares mais conosco Ana Luiza). As manhãs de domingo no Acaiaca. As prévias de carnaval no Português, no Internacional, no Country e no Cabanga; nos finais tardes  o “footing” no calçadão de Boa Viagem; os festivais  de cinema e de teatro, o teatro de amadores de Waldemar de Oliveira; o maracatu do mestre Salustiano; os passeios na Rua do Bom Jesus e no Catamarã do Marco Zero; e as noitadas memoráveis, na Over, Hippo, Depois do Escuro, Água de Beber, Coluna Café. Os fins de noite no Mercado da Madalena, no Laça Burger e no Ilha da Kosta.

E finalmente o carnaval com os frevos e as canções de Capiba, Edgar Moraes e Nelson Ferreira.

“Oh Veneza, americana, linda terra, original. Tudo em ti se engalana quando chega o carnaval!”

Mas nenhuma homenagem ao Recife  suplanta a nênia de Mauro Mota ao poeta morto Carlos Pena Filho, citada por Ronaldo Cunha Lima em discurso proferido na Academia Pernambucana de Letras e  que culmina com terceto.

“Quem morre no Recife engana a morte.
Se criei, no azul, os meus azuis, foi para
Esta cidade que me ressuscita”.

Meus amigos, perdoem-me se estou me alongando demais, todavia não poderia, nesse momento, deixar de externar tudo o que sinto por esta cidade, que ora me acolhe como seu cidadão honorário.

Honraria que me enaltece o espírito, mas não me tira  os pés do chão.

Contínuo é o meu esforço para não aparentar, ainda involuntariamente, o que não tenho, nem o que não sou. Agradeço a Deus, no entanto, de gozar da estima dos meus amigos, especialmente de vocês que se fazem aqui presentes, estima conquistada não sei bem por que razão.

Mas sentimento não se explica, nem dá satisfações, porque tem razões que são exatamente aquelas que a razão desconhece. Razão mesmo tinha o padre Antônio Vieira:

“Se olhas com amor, o corvo é branco, se olhar com ódio, o cisne é negro.

Quero concluir lembrando citação de Ronaldo Cunha Lima a Marcos Vinícius Vilaça, em discurso proferido quando da inauguração do espaço cultural em homenagem ao seu filho Marco Antônio[6]:

“Nordestino não sabe se curvar; e quando o faz, é para agradecer”.

Exatamente como faço agora,  curvado no agradecimento ao título que me é outorgado.

Sou hoje Cidadão do Recife, vale dizer, como diz Ariano Suassuna, cidadão do “Reino Sagrado do Nordeste”.

Oportuno lembrar que Ariano, quando recebeu o título de cidadão pernambucano, com seu peculiar senso de humor e aguçada presença de espírito, corrigiu a afirmativa de quem lhe homenageava, no sentido de que seria paraibano de nascimento e pernambucano de coração. “NÃO”, disse Ariano. “Sou paraibano de nascimento e de coração. Pernambuco apenas me adotou”.

Digo o mesmo. Sou agora filho adotivo do Recife. E se tanto a Constituição Federal, como  Código Civil prescrevem que não pode haver distinção entre os filhos, sejam legítimos ou adotivos,  diferenciar o meu amor ao Recife do meu amor à Paraíba seria inconstitucional e ilegal.

Encerro, meus amigos, dizendo como Alcides Carneiro, o maior tribuno da Paraíba, disse um dia:

“Guardarei eternamente a lembrança desse instante. Porque a vida de instantes é feita e num instante passa”.

Muito obrigado!

[1] PEREIRA, Joacil de Britto .Testemunho de Amor ao Recife. Discurso proferido na Academia Pernambucana de Letras em 05/03/2005.
[2] Idem.
[3] Cf. ALMEIDA, Horácio de. Brejo de Areia. 2ª ed. João Pessoa: Editora Universitária: 1980, p. 19. Apud Joacil de Britto Pereira. Testemunho de Amor ao Recife. Discurso proferido na Academia Pernambucana de Letras em 05/03/2005.
[4] Jornalista e escritor paraibano .
[5] Discurso citado.
[6] Citado por Ronaldo Cunha Lima em discurso proferido na Academia Pernambucana de Letras.

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