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Violência doméstica e familiar

Lei Maria da Penha, ao definir e especificar as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitiu uma tipificação mais eficiente dos crimes já previstos em legislação.

A violência doméstica e familiar contra a mulher caracteriza forma específica de violação dos direitos humanos1. Essa violação é representada por qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial e tenha sido praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou no âmbito de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A Lei Maria da Penha não criou o crime de violência doméstica, mas, ao definir e especificar as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitiu uma tipificação mais eficiente dos crimes já previstos na legislação.

Além da violência física, sempre a face mais chocante da violência doméstica, a lei elasteceu a moldura normativa, possibilitando a incorporação na tipificação de outras formas de violência doméstica e familiar em razão do gênero, as quais, apesar de muito freqüentes, eram pouco invocadas como instrumentos de proteção à mulher agredida2.

A violência doméstica, portanto, também se expressa pela violência psicológica, representada por qualquer conduta que cause prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação e à auto-estima da mulher (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, etc); pela violência sexual, que consiste em constranger a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; pela violência moral, praticada através de calúnia, difamação ou injúria.

E finalmente pela violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Nas demandas em curso nas varas de família, especialmente nos processos de divórcio com partilha de bens e de alimentos, são abundantes os crimes praticados contra o cônjuge virago e que passam despercebidos pelos advogados não militantes na advocacia criminal. Especialmente crimes de ordem patrimonial, praticados em decorrência de uma relação assimétrica de poder contra quem se encontra em desvantagem e em situação de hipossuficiência, justamente por ser mulher. Estamos nos referindo à violência patrimonial contra a mulher, que vem a ser espécie do gênero violência doméstica e familiar.

Nos conflitos conjugais, a violência patrimonial mais conhecida é aquela praticada mediante destruição de bens materiais e objetos pessoais ou a sua retenção indevida, nos casos de separação de fato, no afã de coagir a mulher a retomar ou a manter-se na convivência conjugal.

Entretanto, a violência patrimonial pode ser engendrada por formas mais sutis e que, justamente por isso, não são analisadas pelo operador do Direito sob o aspecto criminal. O atentado contra o patrimônio da mulher também pode ser praticado, por exemplo, pelo marido que subtrai ou faz uso exclusivo dos bens comuns ou pelo devedor de alimentos que retém o pagamento da verba devida ao ex-cônjuge.

Não são novos crimes, mas uma nova visão sobre os mesmos crimes sancionados no Código Penal, desde que praticados contra a mulher em razão do gênero4. A maioria das manifestações da violência doméstica e familiar descritas na lei 11.340 possuem os seus correspondentes típicos no Código Penal.

A Lei também é clara quando enuncia que a sua aplicação independe de orientação sexual. E por isso a lei pode ser invocada mesmo quando o autor da agressão for outra mulher. O que se pretende coibir é a opressão contra a mulher em decorrência de uma questão de gênero enquanto relação assimétrica de poder, podendo figurar como agentes do tipo penal tanto homens quanto mulheres. A mulher agressora, no caso, age como se fosse homem5.

Já na relação entre dois homens, ou mesmo na relação entre homem e mulher, figurando o homem como vítima da violência, não é possível a aplicação da lei Maria da Penha, por força da interpretação necessariamente restritiva das normas sancionadoras6.

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1. A Organização Mundial de Saúde, por sua vez, considera esse tipo de violência como uma questão de saúde pública.

2. HABEAS CORPUS – LEI MARIA DA PENHA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PSICOLÓGICA – DEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI 11.340/06 – PREVISÃO LEGAL – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – NEGATIVA DE AUTORIA – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE HABEAS CORPUS – DENEGAÇÃO DA ORDEM. Os crimes de violência doméstica, em geral, são praticados no âmbito familiar, não havendo, pois, testemunhas presenciais, pelo que a palavra da vítima é suficiente para o deferimento de medidas protetivas. Não incorre em cerceamento de defesa o deferimento de tais medidas imediatamente, sem a manifestação do Ministério Público ou a oitiva do suposto agressor, porquanto se trata de medida cautelar para coibir e prevenir a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. A violência doméstica e familiar não envolve somente a violência física e a sexual, mas também a violência psicológica, patrimonial e moral. Havendo, na narrativa da vítima, descrição de violência psicológica ou, até mesmo, moral, configurado está o crime, em tese, insculpido no § 9º, do art. 129, do Código Penal. Ordem denegada. (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.09.489855-8/000, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 31/03/2009, publicação da súmula em 17/04/2009).

3. Essa manifestação da violência patrimonial é mais relatada nas situações em que o agressor quebra móveis e eletrodomésticos, atira objetos pela janela, rasga roupas e documentos, fere ou mata animais de estimação.

4. Esse é o punctum saliens: diferenciar os crimes em que a vítima pertence ao gênero feminino daqueles em que o crime é cometido contra a mulher em razão do gênero.

5. EMENTA: PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RELAÇÃO HOMOAFETIVA PRETÉRITA. VULNERABILIDADE DEMONSTRADA PELA RELAÇÃO DE AFETO. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIALIZADO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.1. De acordo com o art. 5º da Lei nº 11.340/2006, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é competente para processar e julgar infrações penais cuja motivação seja a opressão à mulher, podendo figurar como sujeito ativo tanto homens quanto mulheres.2. No caso em tela, a violência decorreu de relação homoafetiva pretéria entre mulheres, estando caracterizada a situação de vulnerabilidade por conta da relação de afeto. Ademais, o fato de as contendoras não residirem sob o mesmo teto não descaracteriza a violência doméstica, eis que, conforme art. 5º, III, da Lei Maria da Penha, e art. 1º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violênica contra a Mulher, pode ocorrer em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.3. Recurso em Sentido Estrito conhecido e provido.(TJAM- Recurso em Sentido Estrito nº 0204416-91.2014.8.04.0020. Relatora : Carla Maria Santos dos Reis)

6. “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. VÍTIMA. HOMEM. A lei Maria da Penha foi criada para dar proteção à mulher. Quando a vítima do crime for um homem, não se aplica a Lei Maria da Penha. No caso, a imputação é de crime contra a honra do companheiro, por ter este sido ofendido sob a imputação de ter se apoderado de dinheiro da sogra. No caso criminal concretizado em juízo, é o homem que se sentiu vítima, pelas ofensas e não as mulheres (autoras das ofensas). CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE.” (Conflito de Jurisdição Nº 70042334987, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 19/05/2011) . Entretanto, se a vítima, não obstante fisicamente homem, for transexual, já decidiu o TJSP pela aplicação da Lei Maria da Penha.

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